terça-feira, 22 de junho de 2010

QUANTO VALE O TEMPO

Quanto vale o tempo
Com a incorporação dos recursos tecnológicos, a atividade docente enfrenta o debate sobre como mensurar o período gasto nas atividades extraclasse e dúvidas quanto ao novo perfil desses profissionais

Juliana Duarte

Atualizar blogs, disponibilizar conteúdo na internet e responder e-mails são tarefas que passaram a fazer parte da rotina do professor. O tempo que antes era dedicado à preparação das aulas e correção de provas teve de ser dividido com a demanda dos mecanismos digitais como fóruns, plataformas on-line e redes sociais (Twitter, Facebook, Orkut e blogs). No entanto, as mudanças impulsionadas pelos avanços tecnológicos esbarram em uma questão que contrapõe o interesse de docentes e instituições de ensino: a remuneração.

O problema central nesse contexto é mensurar o tempo gasto com as novas ferramentas. "A tecnologia faz parte do cotidiano das aulas. O novo cenário exige alterações na contratação dos docentes", defende Fábio Reis, diretor de operações do Centro Universitário Salesiano de São Paulo (Unisal).

Por outro lado, quaisquer mudanças na rotina de trabalho, de qualquer profissional, geram resistência. A coordenadora de pesquisas da divisão de tecnologia educacional da Positivo Informática, Betina von Staa, lembra que esse período de introdução das tecnologias no ensino superior, iniciado há alguns anos, foi marcado pela reação aos novos métodos. "As pessoas levam um determinado tempo para aprender a lidar com o novo. Nessa época aparentava que o trabalho tinha triplicado", diz.

Hoje, essa impressão começa a se dissipar, mas especialistas alertam que a fase ainda é de transição. "Alguns professores entendem a necessidade do aluno. Outros ainda estão se preparando ou usam os recursos de forma errada", reflete Erwin Alexander Uhlmann, professor do curso de ciência da computação da Universidade Guarulhos (UnG).
Em meio à adaptação de ambas as partes, tanto das instituições quanto dos docentes, a discussão sobre as novas características do trabalho docente, e de como incorporá-las preservando as relações trabalhistas, ganha força.

Para Fábio Reis, o modelo de remuneração por hora-aula, por exemplo, não deve sobreviver. "É preciso apostar em novas alternativas, como num novo contrato por um conjunto de tarefas", exemplifica. E complementa. "Esse modelo pede um novo perfil das instituições. Se ficará difícil controlar o tempo de trabalho, por que não verificar os resultados alcançados em determinado período? Esse é o grande desafio", acredita.

No caso da educação básica, a convenção coletiva da categoria, assinada em maio deste ano, prevê o início das discussões sobre o pagamento do tempo dedicado ao trabalho tecnológico. Os debates devem ocorrer no âmbito intersindical e a expectativa é de que a regulamentação entre em vigor a partir de 2011. "A questão é importante e deve ser colocada em pauta entre os profissionais da área. Reuniões são válidas e ajudam a traçar um novo perfil da educação superior", opina Reis.

Outra dificuldade atual é a adaptação à legislação que permite que 30% das aulas presenciais sejam ministradas a distância. O assunto divide opiniões. "Ficará cada vez mais complicado contabilizar a quantidade de trabalho do docente, já que ele terá de atualizar conteúdos on-line e responder dúvidas com maior frequência. Daí a importância de incluir as atividades tecnológicas no pacote de extras que ele recebe normalmente para a preparação de aulas e correção de provas", defende Francisco Borges, diretor acadêmico da Veris Educacional.

Já Josiane Tonelotto, diretora de desenvolvimento pedagógico da Universidade Anhembi Morumbi, considera que as tarefas relacionadas à tecnologia são importantes para o cotidiano do aprendizado, mas devem ser realizadas dentro do período normal de trabalho sem remuneração extra. "Assim como a capacitação dos docentes, a atualização de blogs e o uso do conteúdo virtual têm de ser incluídos na rotina, com o professor recebendo normalmente pelas horas trabalhadas".

Uma forma de evitar desgastes desnecessários é deixar as regras claras no momento da contratação, sugere a coor­denadora de pesquisas da Positivo Informática, Betina von Staa. "Os gestores têm de deixar claro o que esperam dos docentes. Vale especificar o que precisa ser feito em sala de aula e o que deve ser realizado fora dela", ressalta.

No caso de sentir que a instituição de ensino faz exigências que não foram pré-estabelecidas, é fundamental conversar com os coordenadores para definir novos formatos de remuneração ou de atividades a serem desenvolvidas.

E, em meio a esse processo, a maior responsabilidade é das instituições, diz o diretor da Faap, Rubens Fernandes Junior. "Além de pensar numa forma de oferecer remuneração justa aos docentes de acordo com o trabalho desenvolvido, é necessário mostrar que há outras maneiras de ministrar as aulas", alerta.

Com apenas 21 anos, e membro de um programa para integrar docentes veteranos e recém-formados, a professora do curso de relações internacionais da Fundação Armando Álvares Pen­teado (Faap) Fernanda Magnotta vê de perto o conflito de gerações a respeito do uso da tecnologia, e acredita que o trabalho do professor não aumentou a partir do uso de novos recursos. "Ficou mais fácil trabalhar. O tempo é o mesmo que gastaríamos preparando uma aula e com a internet é possível conseguir resultados mais rápidos. Existe o ônus, mas também há um bônus", define.

Para Fernanda, com o uso da tecnologia a relação do educador com o aluno fica mais próxima, o que facilita o desenvolvimento das aulas. "Aquele que se comprometeu a ensinar tem de se fazer presente - e isso é possível com o uso da tecnologia. Se o professor não começar a falar a mesma linguagem, será esquecido. É preciso mostrar que não somos inatingíveis."

Na opinião de Jair Manoel Casquel Junior, coordenador do curso de administração da Faculdade Anhanguera Ribeirão Preto, existe uma opção que fará com que os docentes comecem a classificar a tecnologia de maneira positiva: enxergá-la como uma via de mão dupla. "As novas mídias valorizam o trabalho. São excelentes ferramentas, nas quais vale a pena investir algumas horas do dia. Elas darão visibilidade à carreira do docente", afirma.

Marcos Formiga, professor do curso de engenharia da Universidade de Brasília (UnB) e estudioso das tecnologias aplicadas à educação, é mais enfático. "A atitude dos professores está em plena mudança. Temos de evoluir de acordo com a tecnologia e saber passar esse conteúdo para a nova geração", ressalta. Para ele, os métodos convencionais não satisfazem as exigências atuais. "Não existe mais o termo aprender na exaustão. O aluno está cansado do rigor e do formalismo educacional", diz.
O grande desafio, segundo Nilbo Nogueira, mestre em educação pela Universidade de São Paulo (USP), é fazer com que o professor use os recursos tecnológicos em prol do ensino. "Não adianta apenas substituir a lousa por um arquivo de computador. É essencial planejar aulas mais interativas e que despertem o interesse dos alunos, pois eles são nativos digitais."

Do analógico ao digital

A profissão docente não é a primeira a passar por mudanças impulsionadas pela tecnologia. Basta analisar o histórico de outras carreiras para verificar que os novos recursos chegaram para modificar o dia a dia de muitos trabalhadores. Um exemplo é o jornalismo. Com o passar do tempo, os profissionais da comunicação abandonaram de vez as máquinas de escrever para dar início à era digital. Nesse contexto, tiveram de adaptar seus textos à linguagem da internet e reservar mais tempo para atualizar sites e redes sociais.

Outro exemplo de profissional que passou por uma fase brusca de transição foi o fotógrafo, que viu a máquina analógica sair de cena e dar lugar ao modelo digital. Saber lidar com programas de tratamento de imagem também foi fundamental para mantê-lo no mercado de trabalho. No entanto, quando o assunto é construção civil, os profissionais envolvidos - engenheiros, projetistas e arquitetos - precisaram se matricular em cursos que ensinam a lidar com ferramentas digitais para elaboração de projetos. Situação semelhante à dos advogados, que passaram a realizar consultas das leis pela internet e a disponibilizar processos on-line. Na área da saúde, os médicos tiveram de voltar à sala de aula para conhecer mecanismos digitais, novas tecnologias e pesquisas.


O caso da EAD

No caso da EAD, a discussão sobre o trabalho e o tempo docente se torna ainda mais premente. Para Marta de Campos Maia, professora da Fundação Getulio Vargas e conselheira da Associação Brasileira de Ensino a Distância (Abed), não há como negar que o trabalho do professor e do tutor cresceu nos últimos anos. "A sobrecarga é grande, pois o professor começou a lidar com esse sistema há pouco tempo. Mas, ele deve adaptar a metodologia e a forma de enxergar o ensino, se colocar no lugar do aluno e repensar o processo como um todo", afirma.

Por isso, na opinião dela, o docente deveria receber pelo trabalho realizado fora do expediente. "A carga de trabalho é maior, por isso o professor deveria receber uma remuneração mais justa", ressalta.

Além disso, os cursos a distância possuem grande quantidade de alunos, o que exige um tempo maior para o preparo das aulas, atualização do conteúdo e maior disponibilidade para solucionar dúvidas. "Os vínculos empregatícios devem ser discutidos. Não dá mais trabalhar por hora-aula", diz Jair Manoel Casquel Junior, coordenador do curso de administração da Faculdade Anhanguera Ribeirão Preto.

Uma alternativa para enfrentar o novo cenário é optar pela contratação por módulos. "Algumas instituições propõem o pagamento por um trabalho específico. Se o docente for bom, se mantém e conquista seu espaço", diz o coordenador.

No caso dos professores tutores a situação é ainda mais complexa. "É preciso prever uma remuneração específica para esse profissional, que precisa de um estímulo. A universidade deve estipular e acrescer uma porcentagem ao salário do tutor relacionada às atividades que ele realizou fora do horário de trabalho", opina Marta.
E também no caso da EAD, a capacitação é a solução. "É mais do que necessário investir em capacitação de tutores e professores. Eles têm de estar aptos a ensinar", ressalta Marta.

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