Beatriz Rey
Mural de avisos de uma escola paulistana: preocupação com novas regras de contratação Na Nova York dos anos 60, um professor já convencido de que seus alunos não passam perto do protótipo idealizado de estudantes que poderiam desafiá-lo a superar os limites de seu conhecimento para proporcionar-lhes novos horizontes de vida, adere ao mais radical pragmatismo para despertar-lhes, ao menos, algum interesse pela leitura e pela escrita . Ainda que troquem os cânones literários pela narração dos próprios feitos ou pelas virtudes da culinária. Assim como o personagem literário descrito, resultante da experiência docente do hoje escritor Frank McCourt (Ei, Professor, Cinzas de Ângela), um exército de professores - 1,8 milhão na Educação Básica de todo o Brasil, sendo 238 mil apenas na rede estadual paulista - luta cotidianamente para construir suas estratégias de ensino (ou de guerra?) no mundo real. Longe tanto das idealizações que lhes reserva a missão de transformar todos os problemas do país, como do senso comum corrente, que os desqualifica, os docentes buscam, na lida diária com realidades diversas, a identidade possível. Discutido nos mais variados espaços, como universidades, órgãos do governo, terceiro setor e a imprensa, o professor é geralmente lembrado quando se questiona a má formação à qual é submetido ou quando o tema é a polêmica avaliação docente. Em todos os casos, o professor do qual se fala faz parte de uma categoria - o sujeito por trás dele é pouco conhecido. Com o intuito de retratar exatamente o cotidiano que escapa dos debates sobre a docência, a reportagem de Educação acompanhou o dia a dia de três professores que lecionam na cidade de São Paulo. Eduardo ensina física no Colégio Brasília, escola particular da zona leste de São Paulo. Carlos é professor temporário em duas escolas estaduais na zona oeste da capital paulista. Sandra Virgínia é professora efetiva de português nas redes municipal e estadual, ambas no Itaim Paulista, zona leste, divisa entre São Paulo e Ferraz de Vasconcelos. O critério de seleção dos entrevistados, além de passar pelo universo público e privado, atende à diversidade de bairros paulistana. A proposta original era retratar mais um professor, que lecionasse na região central, mas, segundo a Secretaria de Estado da Educação, as escolas contatadas não se dispuseram a participar. O que se lerá a seguir não é - nem pretende ser - a verdade absoluta a que a totalidade dos professores da cidade está sujeita. É, apenas, um recorte escolhido para se enxergar alguns fragmentos das condições do professor, realidade múltipla, complexa e pouco afeita a reducionismos. Além disso, está fatalmente alterada pela presença de um observador estranho à rotina do professor e da sala de aula, fator que, por si só, altera comportamentos e interfere no cotidiano observado.
O andarilho
Entre o momento em que deixa o prédio de dois andares onde mora, na rua Apinagés, na Pompeia, e a hora em que retorna ao local, o professor Carlos Alberto Pires Guimarães, 25 anos, caminha bastante. Não só de sua casa até o ponto de ônibus, na rua Heitor Penteado, mas também entre uma e outra escola estadual onde leciona. Carlos costuma sair de casa por volta de 8h30. Às 18h20, quando termina a última aula de biologia na última escola, inicia o trajeto de volta, também a pé. No total, caminha 7,2 km por dia. Não é à toa que as solas de seus sapatos pretos estão desgastadas. Anda porque, às vezes, o dinheiro não dá. Mas anda, sobretudo, porque gosta. Seu dia começa entre um café feito em coador de pano e um cesto de roupas jogado na máquina de lavar. Natural de Assis, interior de São Paulo, saiu da casa dos pais com 18 anos. Estudou biologia em Bandeirantes, interior do Paraná. Sua primeira experiência como educador foi numa sala de aula rural. "Na área de biologia, é a melhor coisa. Aproveitava o meio ambiente do entorno para fazer experiências. E o respeito com os alunos de lá era dado, não precisava ser imposto", conta. Carlos compara o ensino paulista a uma "selva de pedra". "O respeito aqui tem de ser conquistado pelo conhecimento", resume. Em seu quarto no apartamento - divide o imóvel com dois primos -, além de livros de biologia dos mais variados, encontram-se títulos como "Capitalismo, trabalho e educação", de José Claudinei Lombardi, Dermeval Saviani e José Luís Sanfelice. A predileção pelo cantor Raul Seixas é estampada num adesivo colado num minisystem, o famoso três-em-um. E, pregado sobre sua escrivaninha, um apanhador de sonhos - "um filtro de sonhos", como ele diz. Quando veio para São Paulo, o sonho de Carlos era emendar um mestrado na área de política ambiental. "Quando vi a realidade da educação aqui, resolvi dar aula", conta. Uma das maiores reclamações do professor é que a autonomia nas escolas é inexistente, o que o obriga a seguir uma cartilha. Nas duas escolas visitadas pela reportagem, os outros docentes têm reclamações semelhantes. Um professor de educação física, Ricardo (nome fictício), amigo de Carlos, contesta, por exemplo, a proposta de colocar o ensino de boxe nas escolas estaduais. "Como vou ensinar boxe para esses jovens? Eles vão sair da escola e socar o colega no ponto de ônibus!". Ricardo também relata a história de uma colega que leciona em Cotia. "Ela entrou em sala e o aluno perguntou se ela ia dar aula. Com a resposta afirmativa, ele disse: 'não tô a fim de ter aula.' No que ela virou para começar, levou um soco do aluno, que reafirmou: 'não tô a fim de ter aula, já disse'", relembra. Na escola em que trabalha, Ricardo diz não sentir tanto os efeitos da violência. Os alunos que estudam lá, diz, fazem-no por opção: a maioria mora em regiões violentas e vai até outro bairro para estudar. "O diferencial aqui é a equipe de professores, o nosso comprometimento." Carlos, professor eventual da escola, concorda. No dia em que a reportagem o acompanhou, ele se deslocou até a escola para substituir uma professora, mas ela não faltou. Assim, depois de esperar o fim do horário das aulas, começou a caminhada até a outra escola, onde atua como Ocupante de Função Atividade de biologia (OFA, denominação da Secretaria de Estado da Educação para o temporário que tem aulas atribuídas). Seu holerite de março, época em que trabalhava na EE Romeu de Moraes, aponta os seguintes valores: como PEB2 (professor do segundo ciclo do ensino fundamental e do ensino médio), ele recebeu, por oito aulas dadas, R$ 60,62 - o que significa que sua hora-aula vale R$ 7,57. Os percalços
Na sala dos professores da segunda escola, Carlos exerce seu lado 'político' com os colegas. Inconformado com as novas regras para os professores eventuais, ele copiou notícias de jornal e levou aos outros docentes. Em clima de discussão, eles se mostram inconformados. Uma professora de história diz: "A única coisa que eu faço para o Estado hoje é dar uma boa aula. Cansei de tudo". Carlos é filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT) há um ano e meio. Também transita no sindicato da categoria (Apeoesp) e na Central Única dos Trabalhadores (CUT). Buscou espaços políticos para discutir as questões que mais o preocupam: educação, meio ambiente e saúde. Quando vai à sala de aula, tenta levar algumas questões correlatas para os alunos, como as que giram em torno de política ambiental. Mas ele mesmo reconhece que é difícil. Somente dar aula é algo extremamente trabalhoso na segunda escola em que leciona. Invariavelmente, precisa levantar a voz, pedir silêncio, avisar que o barulho está atrapalhando. Naquele dia, Carlos aplicou uma prova sobre ecologia. "Não sou professor de avaliação, na verdade. É mais um instrumento de acompanhamento, que não uso como punição. Prefiro que eles façam exercícios tirando dúvidas", explica. Em aula, houve vários episódios de desrespeito dos alunos com o professor. Concorrendo com o barulho dos carros e das buzinas que circulam pela região da Lapa e com as vozes dos alunos, o professor precisa elevar cada vez mais a voz. Em uma das salas, uma aluna o aborda, dizendo que não trouxe o livro de biologia, material de consulta para a prova. Ele diz que avisou dois dias antes e ela retruca: "Eu faltei". Ao ouvir a resposta de Carlos ("procure falar com seus colegas sobre o que foi dado quando você faltar"), ela grita: "Não tenho livro e não vou fazer prova nenhuma". Ao sentar em sua cadeira, coloca um fone de ouvido e só vai olhar para a prova quase no final da aula. A falta de respeito acontece entre os próprios alunos. Numa das salas, Carlos se deparou com uma briga entre dois meninos logo ao entrar. Tentou impor respeito, mas foi obrigado a berrar - algo inusual em sua conduta, segundo o próprio. Tranquilo, é adepto da conversa, do diálogo. Um de seus passatempos preferidos, além da leitura, é passar horas ao telefone com o filho de seis anos, Caio, que mora no Paraná. "Nós ligamos a televisão no mesmo desenho e damos risada juntos", conta. Sua angústia particular: não conseguir fazer mais pelo mundo. "Fico triste, fico feliz, é um ciclo. O que posso fazer é dar aula. É a minha contribuição", diz. Lembrando do filme Apenas o fim, de Matheus Souza, que trata justamente das angústias da geração dos nascidos a partir dos anos 80, ele lembra de outro ícone: a banda Los Hermanos. "Me sinto como naquela música, De onde vem a calma: de onde vem a calma daquele cara, ele não sabe ser melhor, viu? Ele não sabe não, viu? Às vezes dá como um frio, é o mundo que anda hostil. O mundo todo é hostil". 7h | Depois de tomar café e colocar a roupa na máquina, Carlos assume outra tarefa diária: lavar a louça | 7h30 | Em seu quarto, separa os recortes de jornais que levaria às escolas onde leciona | 8h | Na rua Heitor Penteado, no bairro da Pompeia, aguarda o ônibus Lapa (7281) | 13h30 | Dia de prova: o professor aguarda a devolução dos exercícios sobre ecologia | 15h30 | Enquanto faz a chamada, o docente é obrigado a pedir silêncio inúmeras vezes | 19h | A última caminhada do dia: 4,2 km entre a escola e o prédio onde mora, na rua Apinagés, na Pompeia, bairro de classe média da capital paulista |
A comunicadora Sandra Virgínia, professora de português na Emef Newton Reis e na EE Profª Maria Vera Lombardi Siqueira, ambas no bairro de Itaim Paulista, gosta de cores fortes. Basta ver a fachada laranja de sua casa, a parede verde de sua sala ou o avental vermelho que ela usa para dar aula. Também é católica, ou uma bíblia não estaria aberta na mesa de centro da sala, ao lado de um portaretrato com a foto da filha e da neta, que moram hoje nos EUA. Sandra é mãe de mais dois adolescentes: Pedro, de 17 anos, e Fernanda, de 12. Os três estudaram em escolas onde a mãe ensina. "A escola particular tem os mesmos problemas que a pública: droga e indisciplina", garante. Casada há 18 anos com um membro da Guarda Civil Metropolitana, Sandra acha que, de alguma maneira, o ambiente privado transforma os alunos em robôs. Na escola pública, eles ficam mais à vontade - o que, para ela, não é sinônimo de falta de aprendizagem. A professora tem uma relação diferente com a escola pública. Leciona desde 2001 na EE Profª Maria Vera, que acompanha desde a fundação. "Trabalhava como secretária. Me formei e voltei como professora", conta. Sandra queria estudar jornalismo - a verborragia e a curiosidade justificariam a opção -, mas acabou optando pelo curso de Letras. "O curso de jornalismo mais perto era em Mogi das Cruzes, muito longe. Sempre morei em Itaim e em Guaianazes", diz. Essa proximidade trouxe consequências boas e ruins. Sandra sempre encontra ex-alunos no supermercado ou em lojas do bairro, por exemplo. Por outro lado, durante o período em que trabalhou numa escola municipal lecionando inglês para 7ªs e 8ªs séries, sentiu na pele a violência dentro da escola. Um de seus alunos, irmão de um jovem que vivia sob liberdade assistida, resolveu não fazer uma prova, amassar o papel e jogá-lo no lixo. Sandra tem pulso firme em sala de aula. Pensa que o professor deve pensar bastante antes de tomar uma decisão. Uma vez que tomou, não pode recuar - caso contrário, perde o respeito e o controle. Decidiu colocar o aluno para fora de sua aula, o que, para ela, significa acompanhá-lo até a direção e convocar os pais para discutir a indisciplina. O aluno em questão a xingou e foi para cima dela e do inspetor. Quando foi retirado da sala, dirigiu-se até a cantina, onde foi comer um pudim. Inconformada, exigiu que fosse levado à direção. "Eu sei onde você mora. Sei o caminho que você faz", disse o aluno. A escola, relutante em fazer um boletim de ocorrência por medo, acabou aceitando. "A pergunta era: como eu sobrevivo aqui depois disso? Como a polícia ficou mais presente, ligaram para a escola dizendo que nada ia acontecer comigo e que não precisava de polícia por perto", relata. Uma das coisas de que sentiu falta na época foi de uma direção mais ativa no apoio ao professor. "O aluno não é só meu, é da escola também. Você não o leva para casa", diz. Outra distorção que ela identificou que ainda persiste atualmente é a relação da escola com a família.
"Muitas vezes, você chama o pai e diz: 'não sei mais o que fazer com o seu filho'. E a resposta dele é: 'pior é que eu também não, já fiz de tudo. O que eu faço?' Quem chamou quem? Se bobear, você age como psicóloga", questiona. O relato atual
Hoje, Sandra não tem mais problemas com violência nas duas escolas em que leciona. A reportagem não pôde entrar no EE Maria Vera, já que não obteve autorização da Secretaria de Estado da Educação. Após o contato feito por telefone, a diretora da escola, Vanilza, mostrou-se disposta a participar da reportagem, com a condição de que a secretaria autorizasse (veja boxe na página 35). Com a negativa, o cotidiano da escola foi obtido a partir do relato da própria docente. Ali, onde ela leciona todos os dias pela manhã e pela noite, as salas são divididas por disciplinas. Há a de português, por exemplo, e o aluno se desloca até ela. A maioria dos docentes trabalha há tempo considerável na escola. "Tenho carinho pelas pessoas e pela escola", afirma. A direção - não só Vanilza, mas Berenice, a antiga diretora que se aposentou recentemente - acompanha os alunos, conta Sandra. "Na época da Berenice, percebemos que os alunos de 5ª série tinham dificuldades em anotar todas as matérias, porque estavam acostumados com um professor só. Virou norma que, para cada disciplina, um caderno deve ser usado", conta. Reflexo disso ou não, os índices no Saresp da EE Maria Vera são altos: enquanto a média estadual para a 8ª série do ensino fundamental e o 3º ano do ensino médio em matemática são, respectivamente, 245,7 e 273,8, a escola tem 264,8 e 272,8. Na Emef Newton Reis, onde trabalha das 11h às 15h, ela leciona para as 5ªs séries. No dia 2 de julho, quase fim de semestre escolar, a professora pedia aos alunos a leitura de uma redação elaborada na aula anterior, com base numa ilustração. O tema era preconceito. Logo ao entrar em sala, muitos alunos corintianos brincavam com Sandra, são-paulina roxa, por conta da vitória do Corinthians na Copa do Brasil. Mas, ao entrar em sala de aula e pedir silêncio pela primeira vez, ela foi obedecida prontamente. "Não sou professora boazinha. Pego no pé. A princípio não vão muito com a minha cara, mas no começo não dá pra chegar sorridente. Mesmo porque eles não gostam de muito oba-oba", afirma, tentando estabelecer um perfil de si mesma. Numa outra aula, já na sala de leitura, onde outra professora mostrava quadros expressionistas, os estudantes, eufóricos, querem falar ao mesmo tempo. Ela berra: "Se todos falarem ninguém escuta". E o silêncio toma conta da sala. Depois das cinco aulas, Sandra vai a pé para sua casa. É a hora que ela tem para tirar um cochilo e cuidar da casa. A comida que ela faz para o jantar fica também para o almoço do dia seguinte - o cardápio era arroz, feijão e bife. Ela quase não vê a filha, Fernanda. Quando sai de casa, às 7h, ela ainda está dormindo. À noite, Sandra retorna à EE Maria Vera, e dá aulas até às 23h20 em alguns dias e até às 9h20 em outros. Sandra não deseja que seus filhos sejam professores, a não ser que seja por vocação. Para ela, o salário é baixo demais. Em média, com oito anos na rede estadual e 15 anos na municipal, ela tira R$ 1,5 mil no primeiro caso e R$ 2,5 mil no segundo. Com uma rotina tão atribulada, prefere ficar em casa nos fins de semana, quando não visita a sogra ou a mãe. Vê filmes para relaxar e, quando lê, o objetivo é outro. "A leitura é sempre voltada para o vestibular e para o Enem. Ler por prazer é muito difícil", diz. Com uma pós-graduação lato sensu finalizada em gestão escolar, diz não pensar em assumir cargo de direção porque não quer perder o contato com os alunos, pois gosta dessa proximidade. Para ela, mesmo os alunos bons devem ser acompanhados, já que podem cair em estagnação. Um dos alunos da prefeitura tem necessidades especiais e não consegue escrever. Naquele dia, ele prometeu pensar numa história sobre preconceito para o dia seguinte. "Quem sabe ele não me conta uma história amanhã? Se me contar, já me dou por satisfeita. É coisa de professor." 8h | Com pantufas nos pés, Sandra recebe a reportagem de Educação em sua casa | 9h | Um gole de café antes de sair para trabalhar | 9h30 | O muro da Emef Newton Reis: distância entre a casa de Sandra e a escola é de 1 km | 11h30 | Numa 5ª série, ela faz a chamada: respeito entre alunos e professora | 15h30 | Antes do cochilo, Sandra aproveita para acompanhar as notícias do dia pela TV | 18h30 | Na entrada da EE Maria Vera, com a filha, Fernanda: jornada até as 23h | O driblador
No Colégio Brasília, os alunos mantêm um nível de respeito pelo professor. Tanto que Eduardo raramente põe estudantes para fora de sua aula. Naquele dia, entretanto, um deles, do 9º ano, passou dos limites e teve de sair. "Ele já estava ameaçando a semana inteira que ia aprontar", explica. Para o professor, são um ou dois alunos que desestabilizam a sala - o todo não é assim. Enquanto ensina eletricidade com o auxílio de um sistema de pilhas, consegue atrair diversos adolescentes à sua volta, que ficam curiosos. Querem ligar uma, duas, três pilhas na lâmpada ao mesmo tempo. Em outra sala, de ensino médio, ele fala sobre massa e peso. Mais uma vez, os alunos se sentem instigados a perguntar. "Ele tenta se igualar àquilo que o aluno é. Ele não se acha", comenta Rafael, aluno do 3º ano, que vai prestar vestibular para o bacharelado em esportes, na USP. Na escola, o vestibular parece ser o grande objetivo a ser alcançado. Antigamente, um hábito provinciano tomava conta do lugar: todos os alunos iam direto para a Universidade São Judas, do lado da Vila Formosa. No ano passado, quatro alunos, de um total de cem, entraram na USP. Além de o material didático ser apostilado, a escola investe em outras maneiras de garantir o sucesso acadêmico. Eduardo conta que é proibido ir sem uniforme, chegar atrasado e não entregar tarefas. Caso o aluno não siga essas regras, recebe um ponto negativo e a anotação vai parar no boleto bancário que chega à casa dos pais. "Assim, quando a mãe chega à reunião e diz que o filho está fazendo as tarefas e nós mostramos que não, ela percebe que está sendo enganada", explica. Mesmo com todas essas investidas, ainda é possível encontrar, no turno da manhã, alunos com dificuldades em contas básicas de matemática. À tarde, diz Eduardo, é pior. A maioria dos alunos é bolsista e proveniente de escolas públicas municipais e estaduais. São estudantes que não teriam como arcar com os quase mil reais de custo, entre mensalidade, transporte e alimentação. "Para você dar a mesma matéria pra eles é doído. A base é muito fraca, não sabem fazer nem o mínimo múltiplo comum", aponta. Por esse motivo, e por já ter lecionado na rede estadual, ele não colocaria os filhos em escola pública. E não deseja a carreira de professor para eles também. "Lidar com o filho dos outros é complicado. A responsabilidade de casa está sendo transmitida para o professor e tem horas que você tem de falar coisas que não agradam", justifica. Por Eduardo, eles seriam médicos - "é uma profissão bonita, o profissional que sai com a maior qualificação geral". Ele mesmo não queria ser professor. Seu sonho era ser engenheiro elétrico, mas passou em faculdades integrais e precisava trabalhar para ajudar em casa. Tentou processamento de dados, não gostou e acabou estudando matemática. Depois de um período como professor eventual ("tapa buracos mesmo") numa escola estadual, assumiu aulas de química. "Tive problemas com professores. Como nenhum aluno aparecia às sextas para ter aula, os docentes também não iam. Decidi ensinar matemática financeira e todos iam assistir às aulas. Os professores ficaram bravos", conta. Hoje, a hora-aula de Eduardo vale mais de R$ 30 na escola particular. Ele não sente vontade de voltar a lecionar na rede pública. Outro motivo seriam as facilidades dadas aos alunos. "Não se reprova mais e isso não acontecia antes. Você trabalha com grandes quantidades de alunos e eles vão sendo empurrados para a frente, sem aprender", desabafa. Descendente de italianos e torcedor do Palmeiras, Eduardo mora em Santo André, mas tem hábitos tipicamente paulistanos. Aos fins de semana, vai ao shopping. Adora ir ao cinema. Os últimos filmes que viu foram Anjos e demônios e Exterminador do futuro 4 - gostou apenas do primeiro. Não abre mão de jogar futebol aos sábados, muitas vezes em companhia dos próprios alunos do ensino médio. Adora o lanche de pernil do bar do prédio do Diário de S. Paulo, no centro de São Paulo.
Quando leva o filho para a natação, no final da tarde, Eduardo também gosta de levar um livro (A Cabana, de William P. Young, e Casais inteligentes enriquecem juntos, de Gustavo Cerbasi, foram os últimos que leu), para esperar Bruno sair da aula. Sua vontade inicial pode não ter sido a de dar aula, mas no final das contas, acabou se saindo bem e hoje é feliz como professor. Espectador voraz de televisão, assiste aos canais Discovery Channel e o History Channel, da TV a cabo, para ter respostas rápidas aos seus alunos. "Por mais que pareça a mesma coisa, quando você muda de sala, são 40 alunos diferentes. Você nunca sabe o que vai acontecer", diz. De todas as partes de sua casa, localizada em Santo André, o professor Eduardo gosta mais da área reservada ao churrasco. Esse é o local onde ele reúne os amigos nos fins de semana em que não corrige provas de física dos alunos dos ensinos fundamental e médio do Colégio Brasília de São Paulo, na Vila Formosa, zona leste de São Paulo. Todos os dias, Eduardo deixa a esposa e a filha pequena às 6h30 e sai com o filho, Bruno, de 5 anos, rumo à escola. O trajeto, feito de carro, dura menos de vinte minutos. Às 7h, já está na sala dos professores: depois de vestir um avental branco e pegar sua caixa de giz - com seu nome marcado em madeira queimada - dirige-se à sala de aula. "O palco da sala de aula" é o que mais gosta da docência. "Não gosto da parte burocrática, corrigir provas e preparar aulas", confessa. 6h15 | Em companhia do filho, o professor deixa sua casa, em Santo André (SP) | 7h | Em seu armário, na sala dos professores, apanha a caixa de giz e os diários | 9h | Corrigindo exercícios do vestibular: silêncio e interesse dos alunos | 16h | Após aplicação de prova de recuperação, ele guarda o avental e deixa a escola | |