quinta-feira, 18 de março de 2010

EDUCAÇÃO: CONTINUAMOS ENGATINHANDO...


É preciso investir mais para melhorar a Educação

Posição constrangedora do Brasil no ranking de Desenvolvimento da Educação evidencia uma questão inevitável: um maior investimento é necessário para melhorar a aprendizagem

Rodrigo Ratier (rodrigo.ratier@abril.com.br)

Montagem: Mariana Coan  sobre foto Age Fotostock/Keystock
APRENDER TEM PREÇO Notas boas exigem docentes preparados e estrutura adequada.
Montagem: Mariana Coan sobre foto Age Fotostock/Keystock

O resultado foi mais um balde de água fria para quem trabalha com Educação. Em janeiro, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) divulgou o índice de desenvolvimento da Educação de 128 países. O Brasil aparece na incômoda 88ª posição, perto de Honduras (87ª), Equador (81ª) e Bolívia (79ª) - e longe dos nossos vizinhos Argentina (38ª), Uruguai (39ª) e Chile (51ª). Para chegar a esse resultado, a Unesco usou quatro indicadores. Em "atendimento universal", "taxa de analfabetismo" e "igualdade de acesso à escola entre meninos e meninas", até que estamos bem. Porém a chamada "taxa de sobrevivência" (alunos que ingressam no 1º ano e chegam ao 5º no prazo previsto) derruba o Brasil no ranking. A óbvia conclusão, confirmada por todos os testes de avaliação, é que o ensino brasileiro está longe de garantir a aprendizagem de todos os estudantes.

Alcançar a qualidade não é uma tarefa fácil. Requer tempo e ações integradas, da formação de professores à infraestrutura, da questão salarial à gestão escolar. E a nota boa não vem de graça: exige investimento - em uma quantidade bem maior que a atual. Não há país que tenha conseguido um salto sem seguir essa receita. O exemplo recorrente é o da Coreia do Sul. Para superar a desolação pós-Guerra da Coreia (1950-1953), o governo dedicou 10% do Produto Interno Bruto (PIB) à Educação... por uma década.

Por lá, a virada começou antes, com uma lei que concentrou os investimentos nos seis primeiros anos de escolarização, tornados obrigatórios e gratuitos a partir de 1949. Por aqui, a solução clássica para garantir mais recursos tem sido definir, também pela legislação, um valor mínimo. No início, até que funcionou. Estipulada pela primeira vez na Constituição de 1934, essa exigência ajudou a assegurar um bom padrão de ensino na rede pública até os anos 1960. Mas, naquela época, a escola era para poucos: apenas 60% das crianças e dos jovens de 7 a 14 anos, segundo dados do Censo de 1970. Só em 1971 o Brasil regulamentou (novamente, por força de lei) o ensino obrigatório de oito anos para toda a população - algo que demorou mais de duas décadas para se tornar realidade. Entre outras coisas porque quatro anos antes o governo militar havia derrubado a exigência do investimento mínimo. Em 1965, quando a regra ainda estava em vigor e havia menos gente estudando, as despesas da União com a Educação eram da ordem de 10% do gasto total do governo. Dez anos depois, com mais gente nas salas de aula, o valor tinha caído para 5%. Os efeitos desse processo afetam o dia a dia dos educadores até hoje: escolas sucateadas, turnos de aula multiplicados, salários baixos e fuga da classe média da escola pública.

Restaurada em 1983, a vinculação de recursos assumiu o "jeitão" atual com a Constituição de 1988. Nela, está escrito que estados e municípios devem investir em Educação pelo menos 25% dos impostos arrecadados - para a União, o número é 18%. Em 2007, último ano com dados já consolidados, isso representou 3,9% do PIB, faixa semelhante à que é investida, em média, pelos membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que reúne as 30 nações mais desenvolvidas do mundo. Só que eles têm sistemas de ensino que funcionam muito melhor do que o nosso há muito mais tempo (Dinamarca e Suécia, por exemplo, conseguiram universalizar os anos iniciais do Ensino Fundamental ainda no século 19). Por aqui, ainda temos de recuperar o tempo perdido e resolver problemas como o analfabetismo - que afeta 15 milhões de brasileiros. Além disso, porque temos muito mais estudantes, tanto em números absolutos (são 52 milhões só na Educação Básica) como em termos proporcionais (27% da nossa população está em idade escolar, contra 19% na média dos países da OCDE). Daí a diferença gritante no gasto por aluno (como se pode ver no gráfico abaixo).

Diante disso, o que deveríamos fazer? A mesma Unesco que criou o índice de desenvolvimento da Educação considera desejável investir 6% do PIB. Já para a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, que reúne diversas organizações da sociedade civil, é necessário chegar a 8% do PIB. A proposta prevê ainda uma lógica diferente no aporte de recursos: em vez de dividir o orçamento disponível pelo total de alunos atendidos (valor que depende da arrecadação de impostos e, portanto, varia ano a ano), definir os recursos indispensáveis para garantir o sucesso escolar (uma referência estável que inclui o pagamento dos docentes, obras nas escolas etc.).


Evolução do gasto por aluno*
Apesar do aumento recente, ainda estamos atrás de vizinhos como o Chile e muito distantes de Finlândia e Coreia do Sul, campeões dos exames.

Ilustração: Mariana Coan
*Em dólares PPP (poder de paridade de compra), fator de conversão que leva em conta o poder de compra da moeda em cada país e não apenas a taxa de câmbio entre as diferentes moedas. Fonte Education at a Glance (edições de 2001 a 2009). Ilustração: Mariana Coan

Queda de matrículas e novos recursos são oportunidades

Essa proposta talvez esteja mais perto de se tornar realidade do que muitos imaginam. De um lado, há a perspectiva de queda no crescimento populacional: a previsão é de que o total de matrículas na Educação Básica caia 30% até 2040, o que permite aumentar progressivamente o gasto por estudante. Além disso, deve acabar em 2011 a chamada Desvinculação de Recursos da União (DRU), que permite ao governo federal retirar 20% da verba e alocá-la em outras áreas. Sem falar nas perspectivas que podem se abrir graças ao petróleo. Só o chamado Fundo Social do Pré-Sal, criado para financiar projetos com parte dos lucros dessa nova forma de exploração do óleo, pode corresponder a 0,5% do PIB. Lutar por uma (gorda) fatia desse dinheiro para a Educação é fundamental.

Acima de tudo, é preciso levar em conta que não teremos um ensino de qualidade sem uma mudança de pensamento político. Ter a Educação como prioridade, como propagam todos os candidatos, significa ampliar o investimento de forma contínua e a longo prazo. Afinal, manter uma boa escola em funcionamento durante 12 meses custa quase o mesmo que erguer outra do zero - com a "desvantagem" de que não há uma nova obra para inaugurar. Investir em Educação custa caro e o retorno é demorado. Mas é, sim, um grande negócio.

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