Conheça o processo de formação de novas palavras
Nelson Bedin
Do Stockler Vestibulares*
A vivacidade de uma língua guarda uma associação direta com a capacidade que seus falantes têm de criar novas palavras, de ampliar seu vocabulário, ou de emprestar aos vocábulos novos sentidos. Dá-se o nome de neologismo ao produto dessa verdadeira arte criativa.
José de Alencar, escritor romântico do século XIX, assim se manifestou a esse respeito:"Criar termos necessários para exprimir os inventos recentes, assimilar-se aqueles que, embora oriundos de línguas diversas, sejam indispensáveis, e sobretudo explorar as próprias fontes, veios preciosos onde talvez ficaram esquecidas muitas pedras finas, essa é a missão das línguas cultas e seu verdadeiro classicismo".
Manuel Bandeira, escritor modernista do século XX, compôs um poema metalingüístico sobre o mesmo tema: "Neologismo" Beijo pouco, falo menos ainda Mas, invento palavras Que traduzem a ternura mais funda E mais cotidiana Inventei, por exemplo, o verbo teadorar Intransitivo; Teadoro, Teodora.
Observe ainda um trecho de Guimarães Rosa em que ele alude a essa questão: "(...) Já outro, contudo, respeitável, é o caso - enfim - de 'hipotrélico', motivo e base desta fábrica diversa, e que vem do bom português. O bom português, homem de bem e muitíssimo inteligente, mas que, quando ou quando, neologizava, segundo suas necessidades íntimas. Ora, pois, numa roda, dizia ele, de algum sicrano, terceiro, ausente: -E ele é muito hiputrélico... Ao que, o indesejável maçante, não se contendo, emitiu o veto: -Olhe, meu amigo, essa palavra não existe. Parou o bom português, a olhá-lo, seu tanto perplexo: -Como? ... Ora ... Pois se eu a estou a dizer? -É. Mas não existe. Aí, o bom português, ainda meio enfigadado, mas no tom já feliz de descoberta, e apontando para o outro, peremptório: -O senhor também é hiputrélico... E ficou havendo". (Tutaméia - Terceiras estórias)
Segundo o autor, "hipotrélico" significa "indivíduo pedante", "falto de respeito para com a opinião alheia."
Classificação dos neologismos
· Neologismo léxico
Aquisição de uma nova palavra no vocabulário da língua. É o que ocorre com muitas palavras ligadas à
· Informática
Mouse, site (importadas do Inglês), infovia.
· Neologismo Semântico:
Empréstimo de um novo sentido a uma palavra já existente: azular = fugir; pistolão = proteção; curtir = aproveitar.
Embora se reconheça em um neologismo seu aspecto de ineditismo, os processos utilizados para sua criação são os mesmos há muito disponíveis: derivação e composição.
· Derivação
Quando se cria uma palavra nova a partir de apenas uma palavra ou radical, por anexação, supressão ou mesmo pela simples alteração de sua classe. A derivação, portanto, poderá ser progressiva (afixos são incorporados a uma base), regressiva (elementos são suprimidos), imprópria (não se altera a forma, só a classe).
- Derivação prefixal à o afixo é anteposto à base: amoral, prever, desordem, refazer.
- Derivação sufixal à o afixo é posposto à base: capitalista, ervente, gostoso, realizar, docemente.
- Derivação prefixal e sufixal à há o emprego de prefixo e sufixo, embora não simultaneamente, pois existe a palavra derivada apenas com o prefixo ou apenas com o sufixo: infelizmente, deslealdade, desordenadamente.
- Derivação parassintética à o prefixo e o sufixo são empregados simultaneamente, gerando a palavra nova obrigatoriamente com o emprego dos dois: anoitecer, entardecer, repatriar, embarcar.
- Derivação regressiva à o produto final é um substantivo abstrato formado pela supressão de elementos mórficos de determinados verbos: amparo (amparar), combate (combater), pouso (pousar). Se o substantivo é concreto, o verbo será formado por sufixação: azeitar (azeite), plantar (planta).
- Derivação imprópria à não ocorrem acréscimos nem supressões, apenas uma mudança proposital da classe a que a palavra primitiva pertencia: O anoitecer no sertão é deslumbrante (verbo transformado em substantivo). "O beijo da mulher aranha" está em cartaz (substantivo transformado em adjetivo). Ninguém gosta de ouvir um não (advérbio transformado em substantivo).
OBS: O desembarque foi muito alegre. O desembarcar foi muito alegre. Radical - barc Derivação parassintética - embarcar Derivação prefixal - desembarcar Derivação regressiva - desembarque Derivação imprópria - o desembarcar
· Composição
Quando se cria uma palavra nova a partir de duas ou mais palavras ou radicais já existentes, dando ao produto um sentido novo. Há dois processos distintos de composição, caso ocorra ou não alteração fonética dos elementos formadores:
- Justaposição: não ocorre alteração fonética, reconhecendo-se os elementos formadores em sua integralidade: passatempo, malmequer, amor-perfeito, pé-de-moleque.
Obs.: O vocábulo girassol mantém as bases "gira" e "sol", ocorrendo o acréscimo de "s" apenas por uma exigência ortográfica, não ocorrendo alteração fonética.
- Aglutinação: as palavras ou radicais que vão entrar na composição sofreu, previamente, alterações fonéticas. Dá-se o nome de metaplasmo às mudanças de forma, seja por acréscimo ou por supressão. Assim, para ocorrer a aglutinação, os elementos formadores são submetidos a metaplasmos de supressão: Aférese - supressão fonética no início, como ocorre na linguagem coloquial: ta por está. Síncope - supressão fonética no interior, como ocorre na linguagem coloquial: pra por para. Apócope - supressão fonética no final, como ocorre na linguagem coloquial: mó por mor (antes, maior).
Analisemos um interessante exemplo de aglutinação e sua evolução. Em português: Vossa Mercê Apócope de Vossa: Vos Síncope de Mercê: mecê Palavra composta aglutinada: vosmecê Síncope de vosmecê: você (forma aceita pelo padrão culto) Aférese de você: ocê (variante popular) Aférese de ocê: cê (variante popular)
Em espanhol: Vuestra Merced Aférese, síncope e apócope de Vuestra: ust Aférese de Merced: ed Palavra composta por aglutinação: usted (correspondente ao português "você").
Outros exemplos de aglutinação: Aguardente - água + ardente Planalto - plano + alto Embora - em + boa + hora Fidalgo - filho + de + algo
Neologismos formados por onomatopéia
Onomatopéia é o recurso que consiste em criar palavras para registrar sons, ruídos, vozes de animais: miar, piar, cataplum, pingue-pongue.
Observe como Manuel bandeira, em seu poema "Os Sapos" registra, com vocábulos que nada têm de onomatopéicos, na estrutura, mas que imitam a coisa significada, ou seja, a voz da saparia: Urra o sapo-boi:
"Meu pai foi rei!" - "Foi!"
"Não foi!" - "Foi" - "Não foi!"
*O Stockler Vestibulares foi fundado em 1984, em São Paulo.
FONTE: Stockler Vestibulares - UOL
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